quinta-feira, 5 de junho de 2008

16. intervalo

com_sequências premeditadas


















ausências imprevistas.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

15. memórias



desde o dia em que nascemos até ao dia em que morremos, tod@s nós somos pouco mais do que esponjas. absorvemos imagens, sons, palavras, conceitos, significados, pessoas, sentimentos, leis, regras, comportamentos, gostos, relacionamentos. e tudo o que absorvemos passa a fazer parte do que somos. mais. somos apenas o que conseguimos absorver. se, mal nascêssemos, conseguíssemos isolar-nos de tudo, não seríamos nada. ou o pouco que seríamos não chegaria para sermos considerados indivíduos. nunca aprenderíamos a comunicar - não haveria necessidade de comunicação nem ninguém com quem aprender essa habilidade -. não saberíamos nunca o que é entregar-nos a alguém...

mas este isolamento é verdadeiramente impossível e o que somos depende única e exclusivamente da quantidade de elementos externos aos quais fomos submetid@s enquanto seres vivos pensantes. como uma imensa e incrivelmente absorvente esponja, interiorizámos tudo aquilo que, por muito leve que tenha sido, passou por nós e deixou a sua marca.

e, quando o nosso por-do-sol chegar, sentir-nos-emos uma frondosa árvore, na qual todas as nossas memórias estarão penduradas como bolas que a enfeitam...

segunda-feira, 7 de abril de 2008

14. noites intermináveis



a noite é muitas vezes um estado de espírito por si só. podemos estar em pleno dia, duas da tarde de um dia de sol magnífico, e sentir em nós uma noite escura e fria.

este blog tem visto alguns dias de noite. a actualização não tem sido a mais desejada, muito por culpa da convencida da inspiração: tem estado muito em baixo, coitada. isso, a juntar a outra sua amiga, a falta de tempo, faz com que seja pouca a manutenção deste sítio.

tentemos fazer com que isso mude.

a noite estava fria, mas convidativa. apenas algumas luzes salpicavam o horizonte e espalhavam o seu reflexo no rio, calmo como um espelho. algumas nuvens ameaçavam, mas não cumpriam. a noite estava destinada a não ser molhada.

passo aleatoriamente por este cenário, comum a muitas outras noites e muitos outros dias, e a fotografia urge. é hoje. não há razão aparente para que a foto seja tirada hoje em detrimento de todos os outros dias e todas as outras noites em que passei aqui e a objectiva não captou o que a iris estava a captar. apenas uma conjuntura que me leva a tirar esta foto aqui e agora. esta mesma fotografia foi tirada centenas de vezes anteriormente, mentalmente. já estava praticamente feita. já existia num espaço mental impossível de materializar. por isso existem as câmaras fotográficas - para que uma pessoa possa mostrar aos outros a imagem que viu e que quer partilhar.

e em noites como estas os olhos guardam tantas imagens...

terça-feira, 25 de março de 2008

13. a luz e a sombra






















a sala estava escura e fria.

havia apenas duas fontes de luz, bastante diferentes, mas igualmente ténues: o luar que entrava pela janela e que projectava o caixilho da janela na parede; um brilho misterioso que emanava de algo que estava suspenso no tecto, bem alto.

um brilho que nos faz ficar hipnotizados. que nos faz imaginar lugares longínquos, estórias de encantar, tempos idos, mundos ainda por descobrir.

imagens como esta fazem-nos viajar sem sair do lugar. permite-nos sair de nós e, neologismo pessoano, outrar-nos. dá-nos vontade de entrar naquela estrutura, passar para o lado de dentro, banhar-nos na luz que vemos de longe.

podemos ver esta estrutura iluminada como um 'portal' de luz para outra dimensão ou uma 'cela' para algo que detém em si uma luz capaz de aquecer os olhos e o coração dos que a vêem.

a luz do luar não aguenta a passagem para segundo plano e esmorece...

sexta-feira, 7 de março de 2008

12. redundâncias redondas

























o que mais me agrada no ser humano em geral é o que menos me agrada no ser humano em particular - a sua capacidade de ser redondo. e não me refiro às adiposidades que a ou b possam ter. falo da redonda capacidade de um ser humano se (re)fazer a cada passo que dá. o que hoje para mim é verde azeitona amanhã pode ser cinzento rato. é a isto que se chama uma personalidade redonda. redonda em oposição a plana. claro que esta característica torna o ser humano muito interessante, por ser cada dia diferente, mas também o torna muito mais dificil de se viver com. um cão é um cão todos os dias da sua vida de cão. uma pessoa, no mesmo dia, e, dependendo das pessoas, na mesma hora do dia, pode ser muitas diferentes. pode ser o homem que acorda de manhã e dá os bons dias com a cara com que dormiu, arrancada da almofada que grita de saudade da cara que se desprendeu dela para começar mais um dia. ou o mesmo homem que, banho tomado e barba feita, toma um pequeno-almoço rápido e mecanicamente deglutido, sem se aperceber que para que aquele pequeno-almoço surja, alguém teve de prepará-lo. ou o mesmo homem que, chegado ao escritório, enceta uma jornada de trabalho como tantas outras, em que tem de vestir a pele do cordeiro e do lobo dezenas de vezes por dia, nunca chegando a ser nem o cordeiro nem o lobo. ou ainda o mesmo homem, ou uma sombra deste, que, depois do expediente, chega a casa tão cansado que dispara contra tudo e contra todos a sua frustração pelo dia de trabalho não ter sido propriamente um 'dia de sonho' nem o trabalho ser propriamente um 'trabalho utópico'.


e o mesmo homem, no dia seguinte, vai ter um dia mais ou menos semelhante a este. e no seguinte. e no seguinte. até ao dia em que o piloto salta, a pressão faz estourar a epiderme e solta-se o revoltado, o enfurecido, o louco. e nunca se percebe porquê...


neste planeta redondo, o Homem, como ser dominante que é, é igualmente redondo, com ideias redondas, casas redondas, redomas redondas, escudos redondos, pensamentos redondos.


felizmente que alguns têm escotilhas...

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

11. pontos de vista


há locais e pessoas e coisas que, quanto mais nos habituamos a eles, mais gostamos. é um crescendo infinito, um aumento progressivo e eterno. aos nossos olhos, já supostamente habituados a estas coisas e gentes e espaços, tudo se transfigura. tudo ganha um brilho especial, uma luz mais terna, um calor único, um conforto especial. mesmo sem nos apercebermos, vemos tudo com outros olhos. reparamos em coisas que nunca tínhamos reparado. olhamos para as pessoas e coisas e locais como se fosse a primeira vez que os víssemos. uma primeira vez completamente diferente da primeira primeira vez. vemos tudo com uma atitude de quem vê por dentro. de quem já conhece o que está a ver de cor, mas que, de cada vez que olha, vê algo diferente, algo irrepetível.
como este cenário.
por mais familiar que me seja, é-me sempre tão especial que há sempre um deslumbramento digno de uma primeira vez, um encantamento iniciático, um enamoramento ininterrupto pelo que os olhos absorvem como se da primeira vez se tratasse.
de cada vez que aqui entro, com o propósito claro de matar vários tipos de sede, tenho uma sensação de calor, de bem-estar, de pertencer aqui.
tudo tem um brilho especial, uma forma de me fazer sentir parte deste todo...
e deixo-me envolver por esta ilusão e, durante o tempo em que cá estou, 'eu não sou eu nem sou o outro'... eu e o espaço que me envolve somos um único corpo, um único ser.
um ser maior do que eu, uma luz que entra em mim para ficar...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

10. o objecto subjectivo





















TUDO é uma questão de perspectiva.
nada é o que parece. cada objecto é uma miríade de objectos, pessoais e intransmissíveis. não é mais do que a soma de todas as acepções que, individualmente, cada ser humano conjectura. mesmo as coisas mais objectivas do mundo são alvo de uma constante e ininterrupta interpretação do que são. não há duas pessoas iguais, logo, não há dois pensamentos iguais, logo, não há duas formas iguais de pensar num objecto.
vejamos por exemplo esta imagem.
a minha primeira interpretação dela dizia-me que se tratava de uma fénix. uma ave mitológica que se auto-regenerava. uma ave iconograficamente representada, é óbvio. mas na imagem vi claramente um pescoço e um par de asas. quando me foi dito o que era, consegui perceber com algum custo. tive alguma resistência em destruir a imagem que tinha previamente construido para a substituir por uma mais próxima da realidade. ou da realidade mais facilmente aceite pela grande maioria dos comuns mortais. aquela realidade que todos aceitam como axiomática. uma realidade muito mais consensual, mais cómoda, mais redonda. que causa menos atrito, menos prurido.
porque há-de esta imagem ser a representação do objecto fotografado? por que não pode ser uma fénix? por que não pode ser qualquer outra coisa?
porque pode. porque uma imagem é muito mais do que uma representação do objecto retratado. é um pouco do objecto e muito de quem a captou...

domingo, 10 de fevereiro de 2008

9. ao dobrar da esquina



há em cada esquina um potencial infindável. nunca conseguimos saber o que vamos encontrar do outro lado de cada esquina - mesmo das que nos são mais familiares. o desconhecido está sempre à espreita. nunca sabemos com quem vamos chocar, quem vai colocar-se no nosso caminho, ou, por outro lado, quem vai, a partir daquele momento, ser uma peça-chave no nosso quotidiano mais ou menos anódino.
quando dobramos uma esquina, despoletamos uma série de mecanismos responsáveis pela aleatoriedade do mundo que nos rodeia. uma gigantesca sucessão de rodas-dentadas que, como elos de uma corrente, rodam para um mesmo fim: o momento em que a esquina nos revela o que está do outro lado. o outro lado de um espelho que, ao contrário de todos os outros, não reflecte a imagem que recebe.
o mesmo passo que nos leva a dobrar a esquina envia-nos para uma dimensão paralela, uma das muitas realidades possíveis. um alvéolo que faz parte de uma teia muito maior, de uma colmeia de realidades que se aproximam e afastam, que se cruzam em esquinas mais ou menos reais de vidas mais ou menos banais.
dobrar uma esquina é um acto de coragem. é mostrar a quem quiser ver que estamos prontos a aceitar tudo aquilo que poderá advir desse acto. é aceitar de peito aberto e cabeça erguida o que o futuro quer que seja o nosso presente.
dobrar uma esquina é um acto isolado e irrepetível. é o culminar de uma amálgama de pequenos nadas que se juntaram naquele momento e o tornam único. pequenos nadas que se tornam um tudo.
dobrar uma esquina é uma questão de atitude. a forma como o fazemos vai determinar a nossa receptividade em relação ao que ainda não sabemos. uma pessoa optimista tem esquinas mais bem-sucedidas do que uma pessoa derrotista. ambas dobram a esquina e cai-lhes uma tromba de água em cima. o derrotista resigna-se e pensa: 'só a mim...'; o optimista sorri e pensa: 'as minhas rosas agradecem!'
dobrar uma esquina é enfrentar o futuro. é caminhar em direcção a este. é tomar consciência do caminho que se quer seguir...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

8. cata_vento




adoro o vento.
desde que me lembro que o adoro.
desde criança que adoro andar contra o vento, mais ainda do que a favor dele. quando andamos a favor do vento ele empurra-nos e nós tropeçamos e caímos. se nos colocarmos contra o vento, se o enfrentarmos de cabeça erguida e peito firme, ele respeita-nos muito mais. quando estamos contra o vento, estamos a baixar as nossas defesas de nós próprios e deixamos que o vento nos conte as estórias que tem para contar. estórias de outras gentes, de pessoas que andaram a favor do vento e de pessoas que, como eu, preferiram enfrentá-lo. vidas mais ou menos preenchidas, vidas que o vento nos conta quando sabemos ouvi-lo. porque quanto mais atentos e receptivos estivermos, mais o vento nos conta.
e fala-nos ao ouvido dos locais que visitou imediatamente antes de ter chegado a nós. deste movimento constante de enfrentar as coisas com cara de vento. e conta-nos as aventuras e desventuras de quem, como nós, decidiu enfrentá-lo. de quem, como nós, decidiu levá-lo um pouco mais a sério.
porque a vida começa com uma aragem e com uma outra aragem termina.
porque tudo tem a duração de um golpe de vento...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

7. aqui e agora (breve história de uma ponte no pôr-do-sol)


aqui o céu é mais azul e as nuvens reflectem com maior exactidão a paleta de cores que tão bem caracteriza o pôr-do-sol.
aqui há sempre quem parte e quem chega. quem tem de despedir-se daquele ente querido (muitas vezes para sempre) e quem vê a sua metade de si voltar a casa depois de mais um dia de luta, uma batalha campal com fim suposto para por alturas da terceira idade...
neste meio-gás de luz, nesta semi-claridade, os objectos adquirem um contorno disforme, uma definição menos definida. a ameaça de ausência de luz proporciona uma sensação de quase nevoeiro, um esbatimento das características indeléveis de todas as coisas, independentemente do seu tamanho. como uma ponte, por exemplo. esta ponte. esta maravilha da mente humana que permite ligar dois pontos outrora impassíveis de ser ligados.
esta ponte como símbolo da viagem de ida e de regresso, por lazer ou obrigação. esta ponte como símbolo do vazio, onde tantos passam e ninguém fica. esta mesma ponte na qual muito poucos reparam, mas que torna a vida bem mais fácil a mais que muitos.
esta ponte que, ao atravessar este rio neste pôr-do-sol, se esbate, perde por momentos a pose e permite-se descansar da rigidez com que encara a sua função de ponte.
os seus contornos tornam-se consideravelmente menos definidos, fenómeno absolutamente proporcional à quantidade de luz que persiste na estratosfera...
aqui, onde o céu é mais azul e as núvens menos, conduz-se em frente, porque atrás vem gente...

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

6. rot(in)a


a tarde estava soalheira e fria. o inverno fazia-se notar mais pela temperatura do que propriamente pelo aspecto do dia. desde o romper da alvorada que o sol sorria para quem o quisesse receber. mas com o sol vieram também o vento e as baixas temperaturas.
apetecia algo quente e acolhedor. um local onde nos sentíssemos quase como em casa, com vantagens acrescidas. um aconchego fora do aconchego habitual. um conforto menos monótono do que o que nos conforta todos os dias e todas as noites e todos os dias que se seguem às noites. uma sensação de querer ficar num local que, apesar de nos ser estranho, se entranhou em nós como um viciante vício.
chegámos e apoderámo-nos do local como se desde sempre pertencesse à nossa árvore genealógica. um espaço que nos é caro, porque sim. sem grandes porquês, sem explicações metafísicas. um local que nos prende pela simplicidade e pela grandeza com que nos acolhe.
o frio e o vento ficam lá fora. o sol, esse vai espreitando pelos telhados de vidro, que aqui não se atiram pedras.
um réptil de ferro no fundo da sala traz-nos aquilo que normalmente o sol nos traz no verão: calor. faminta, reclama comida de quando em quando. há sempre uma alma que a vai alimentando, para gáudio de todos.
para culminar, a piéce de resistence, um bule a fumegar. um aroma inebriante, uma boca que saliva, um corpo que pede calor por dentro.
não sei o que mais me encanta: se o chá, se o ritual em si...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

5. heaven on earth


há paisagens únicas.
lugares que queremos guardar na retina até ao fim dos nossos dias.
recantos perdidos neste nosso mundo sempre cada vez mais atarefado, cada vez mais distante do seu verdadeiro e genuino 'eu'.
há paisagens que nos deixam quase sem palavras. que nos proporcionam um prazer visual tão grande que queremos rasgar o peito e abarcá-las e nunca mais as perder do coração. ou dos olhos do coração. paisagens tão singulares que, por mais kilómetros que façamos, nunca vamos encontrar nada semelhante. locais onde o céu é mais bonito, onde o sol brilha mais forte, onde as núvens são mais poéticas, a chuva uma melhor companhia para a melancolia... cenários quase irreais, de tão perfeitos...
este é um desses locais.
este edifício situado aos pés da albufeira permite-nos um posto de observação ímpar. através dos vidros claros como ar, podemos perder-nos na contemplação de tamanha beleza. tornamo-nos semideuses. ficamos preenchidos com toda a magnificência do que nos rodeia. o diafragma dos olhos fotografa tudo ao pormenor para que, posteriormente, quando a beleza já não for algo presente, possamos deixar-nos invadir pela memória destes espaços e, por momentos, imaginar-nos de novo aqui...
fecho os olhos.
estou onde eu quero estar.
estou neste mesmo local, com esta imensidão de água e de natureza à minha frente, esta paisagem assoberbante, esta imersão na serenidade imposta pelo ambiente que me rodeia...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

4. paisagem fugidia


um por-do-sol funciona como um nevoeiro.
a cada minuto que passa, as cores que dele advêm alteram-se, levando por arrasto tudo o que estiver ao alcance do nosso olhar.
à medida que os amarelos vão dando lugar aos laranjas, os laranjas aos vermelhos, os vermelhos aos violetas, os violetas aos azuis, os azuis aos negros, toda a nossa perspectiva do que nos rodeia se altera.
as coisas adquirem cores de fogo, para no minuto seguinte se pintarem de noite. e assim se mantêm até ser dia de novo.
os contornos esbatem-se, as formas deixam de ter formas claras e precisas. tudo se torna uma imensa massa amorfa, indefinida. a única definição definitiva das coisas é a indefinição que adquirem.
as árvores e as plantas e as pedras e as terras adquirem por breves instantes uma coloração de fogo, um fogo que não arde, que apenas banha tudo aquilo que alcança. um manto de cores quentes que vai mudando de intensidade com o percorrer do fim de tarde.
'a lua, dizem os ingleses, é feita de queijo amarelo'.
o por-do-sol, digo eu, é um arco-íris em câmara lenta...

domingo, 13 de janeiro de 2008

3. the small red balls that grow on the ground


«por aqui, por favor.
este é o caminho de que vos falei.
peço-vos para terem o maior cuidado possível para não pisarem estas bolas vermelhas que vêem no chão. estas bolas são a razão que me levou a trazer-vos cá.
depois de várias investigações, conseguiram descobrir como aparecem estas misteriosas esferas neste chão.
é isso mesmo: é um milagre.
não há qualquer justificação científica para a ocorrência.
aliás, pensa-se que estas esferas se encontram aqui todos os anos, provavelmente para um ritual ou de desova ou de auto-comiseração, ainda não há certezas. de qualquer forma, os habitantes das redondezas já se familiarizaram com elas e até começam a introduzi-las na sua gastronomia tradicional.
aparecem em bandos e quando começam a surgir as primeiras ainda demoram alguns dias até se formar um grupo considerável. são absolutamente inofensivas, acreditando-se mesmo que provocam um efeito panaceico nos humanos.
o facto de como se deslocam é ainda um mistério, visto não estarem munidas de quaisquer meios de locomoção. a sua cor avermelhada faz com que se destaquem facilmente da pobreza cromática circundante.
se preferirem podem tocar-lhes, não mordem nem têm qualquer reacção inteligível.
se fizerem o favor de acompanhar-me, passaremos ao próximo caminho, em que veremos uns cilindros castanhos altamente irregulares a que alguns peritos denominaram de 'troncos'... escolhem cada palavra tão científica!...»

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

2. natureza viva com cais


cais.
ponto de partidas e de chegadas, ponto de passagem, ancora_douro.
imóvel, estático, existe um convite à viagem, com ou sem regresso.
os cais anseiam desesperadamente ser utilizados. ter movimentos de embarcações que vêm e que vão. gente com sorrisos e gente com lágrimas.
um cais é uma ponte em potência. é um aeroporto rodeado de água.
é uma forma de contacto entre o real e o etéreo, o impalpável. o que nos foge por entre os dedos...
'mesmo uma viagem de dez mil quilómetros começa com o primeiro passo'... ou o primeiro remo a tocar a água. ou os primeiros sons do rosnar do motor de uma qualquer embarcação...
olho para a imagem e vejo um cefalópode.
um ser que com os seus tentáculos vai (re)conhecendo a realidade que o rodeia.
uma cabeça que com os seus membros explora o mundo exterior, entra em contacto directo com este, comunica através do tacto.
e esta ponte, esta espécie de purgatório, de limbo, de não-lugar... este quase cais.
cais. ponto de chegadas e de partidas...

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

1. génese




uma e meia da manhã de uma daquelas noites em que quase chegamos a ver o sol nascer.
é neste preciso local que tudo começa. que tudo ganha forma.
o engenho e a arte permitem-nos expressar-nos sem palavras, apenas imagens, aleatórias, comuns, menos comuns, sucessos, fracassos, sucessos de novo...
tudo é fruto de alguma outra coisa. tudo começa e tudo acaba, para dar lugar a outra coisa ainda. 'essa coisa é que é linda'...
aqui fechado nestas quatro paredes não vejo passar o tempo. de longe a longe, oiço o ponteiro dos segundos a reclamar um pouco de atenção. resisto a todo o custo fazer-lhe a vontade. mas eventualmente acabo sempre por fazê-lo...

uma e meia da manhã de uma madrugada em tudo igual às outras, ou seja, em tudo diferente.
como pode haver duas noites iguais, se não há iguais duas gotas de água?
sou a minha própria luz. ilumino-me a mim próprio. revelo-me fragmentos que já passei e que quis prender com ambas as mãos, enjaular e manter como um animal perigoso, encarcerar na enxovia mais profunda e esquecer onde está a chave...
aos poucos, devagar, delicadamente, sabiamente, a alvura de uma folha outrora branca fica contaminada.
aqui, agora, neste local, ficarão registados os momentos que queria trazer comigo, que anseava ter para os exibir como o tesouro mais precioso.


o homem idealiza, a objectiva dispara, a fotografia nasce.