quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

11. pontos de vista


há locais e pessoas e coisas que, quanto mais nos habituamos a eles, mais gostamos. é um crescendo infinito, um aumento progressivo e eterno. aos nossos olhos, já supostamente habituados a estas coisas e gentes e espaços, tudo se transfigura. tudo ganha um brilho especial, uma luz mais terna, um calor único, um conforto especial. mesmo sem nos apercebermos, vemos tudo com outros olhos. reparamos em coisas que nunca tínhamos reparado. olhamos para as pessoas e coisas e locais como se fosse a primeira vez que os víssemos. uma primeira vez completamente diferente da primeira primeira vez. vemos tudo com uma atitude de quem vê por dentro. de quem já conhece o que está a ver de cor, mas que, de cada vez que olha, vê algo diferente, algo irrepetível.
como este cenário.
por mais familiar que me seja, é-me sempre tão especial que há sempre um deslumbramento digno de uma primeira vez, um encantamento iniciático, um enamoramento ininterrupto pelo que os olhos absorvem como se da primeira vez se tratasse.
de cada vez que aqui entro, com o propósito claro de matar vários tipos de sede, tenho uma sensação de calor, de bem-estar, de pertencer aqui.
tudo tem um brilho especial, uma forma de me fazer sentir parte deste todo...
e deixo-me envolver por esta ilusão e, durante o tempo em que cá estou, 'eu não sou eu nem sou o outro'... eu e o espaço que me envolve somos um único corpo, um único ser.
um ser maior do que eu, uma luz que entra em mim para ficar...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

10. o objecto subjectivo





















TUDO é uma questão de perspectiva.
nada é o que parece. cada objecto é uma miríade de objectos, pessoais e intransmissíveis. não é mais do que a soma de todas as acepções que, individualmente, cada ser humano conjectura. mesmo as coisas mais objectivas do mundo são alvo de uma constante e ininterrupta interpretação do que são. não há duas pessoas iguais, logo, não há dois pensamentos iguais, logo, não há duas formas iguais de pensar num objecto.
vejamos por exemplo esta imagem.
a minha primeira interpretação dela dizia-me que se tratava de uma fénix. uma ave mitológica que se auto-regenerava. uma ave iconograficamente representada, é óbvio. mas na imagem vi claramente um pescoço e um par de asas. quando me foi dito o que era, consegui perceber com algum custo. tive alguma resistência em destruir a imagem que tinha previamente construido para a substituir por uma mais próxima da realidade. ou da realidade mais facilmente aceite pela grande maioria dos comuns mortais. aquela realidade que todos aceitam como axiomática. uma realidade muito mais consensual, mais cómoda, mais redonda. que causa menos atrito, menos prurido.
porque há-de esta imagem ser a representação do objecto fotografado? por que não pode ser uma fénix? por que não pode ser qualquer outra coisa?
porque pode. porque uma imagem é muito mais do que uma representação do objecto retratado. é um pouco do objecto e muito de quem a captou...

domingo, 10 de fevereiro de 2008

9. ao dobrar da esquina



há em cada esquina um potencial infindável. nunca conseguimos saber o que vamos encontrar do outro lado de cada esquina - mesmo das que nos são mais familiares. o desconhecido está sempre à espreita. nunca sabemos com quem vamos chocar, quem vai colocar-se no nosso caminho, ou, por outro lado, quem vai, a partir daquele momento, ser uma peça-chave no nosso quotidiano mais ou menos anódino.
quando dobramos uma esquina, despoletamos uma série de mecanismos responsáveis pela aleatoriedade do mundo que nos rodeia. uma gigantesca sucessão de rodas-dentadas que, como elos de uma corrente, rodam para um mesmo fim: o momento em que a esquina nos revela o que está do outro lado. o outro lado de um espelho que, ao contrário de todos os outros, não reflecte a imagem que recebe.
o mesmo passo que nos leva a dobrar a esquina envia-nos para uma dimensão paralela, uma das muitas realidades possíveis. um alvéolo que faz parte de uma teia muito maior, de uma colmeia de realidades que se aproximam e afastam, que se cruzam em esquinas mais ou menos reais de vidas mais ou menos banais.
dobrar uma esquina é um acto de coragem. é mostrar a quem quiser ver que estamos prontos a aceitar tudo aquilo que poderá advir desse acto. é aceitar de peito aberto e cabeça erguida o que o futuro quer que seja o nosso presente.
dobrar uma esquina é um acto isolado e irrepetível. é o culminar de uma amálgama de pequenos nadas que se juntaram naquele momento e o tornam único. pequenos nadas que se tornam um tudo.
dobrar uma esquina é uma questão de atitude. a forma como o fazemos vai determinar a nossa receptividade em relação ao que ainda não sabemos. uma pessoa optimista tem esquinas mais bem-sucedidas do que uma pessoa derrotista. ambas dobram a esquina e cai-lhes uma tromba de água em cima. o derrotista resigna-se e pensa: 'só a mim...'; o optimista sorri e pensa: 'as minhas rosas agradecem!'
dobrar uma esquina é enfrentar o futuro. é caminhar em direcção a este. é tomar consciência do caminho que se quer seguir...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

8. cata_vento




adoro o vento.
desde que me lembro que o adoro.
desde criança que adoro andar contra o vento, mais ainda do que a favor dele. quando andamos a favor do vento ele empurra-nos e nós tropeçamos e caímos. se nos colocarmos contra o vento, se o enfrentarmos de cabeça erguida e peito firme, ele respeita-nos muito mais. quando estamos contra o vento, estamos a baixar as nossas defesas de nós próprios e deixamos que o vento nos conte as estórias que tem para contar. estórias de outras gentes, de pessoas que andaram a favor do vento e de pessoas que, como eu, preferiram enfrentá-lo. vidas mais ou menos preenchidas, vidas que o vento nos conta quando sabemos ouvi-lo. porque quanto mais atentos e receptivos estivermos, mais o vento nos conta.
e fala-nos ao ouvido dos locais que visitou imediatamente antes de ter chegado a nós. deste movimento constante de enfrentar as coisas com cara de vento. e conta-nos as aventuras e desventuras de quem, como nós, decidiu enfrentá-lo. de quem, como nós, decidiu levá-lo um pouco mais a sério.
porque a vida começa com uma aragem e com uma outra aragem termina.
porque tudo tem a duração de um golpe de vento...