domingo, 5 de fevereiro de 2017

20. regresso ao nada


Conduzimos durante horas a fio, sem destino previamente determinado. A tarde caminhava a passos largos rumo à escuridão da noite. A estrada escolhida incluía percursos sinuosos e solitários monte acima, monte abaixo e novo monte acima. Lentamente, instalava-se um denso nevoeiro que tornava a paisagem um enorme nada enevoado e húmido. 
Nas terras mais altas a paisagem estava coberta de um manto branco frio como a neve. Apenas se reconheciam os dois longos trilhos feitos pelos poucos carros que anteriormente fizeram o mesmo percurso. 
- Pára, por favor. Quero sair.
- Aqui? No meio de nada?
- Aqui. Exactamente aqui.
Saí do carro e afastei-me sem olhar para trás. Senti-me compelido a experimentar este mesmo percurso pessoalmente. A fazer um terceiro trilho onde ainda não existia mais nenhum. À minha frente, apenas o vazio, a grande mancha de nada que engolia toda a paisagem por onde languidamente se espreguiçava. 
Por breves segundos, talvez um minuto ou dois, estava ali, imóvel, longe de tudo, rodeado de uma provável beleza envolta por aquele manto frio e húmido. Por alguns segundos, talvez um minuto ou dois, senti-me parte desse potencial todo. Olhei o indefinido de frente, absolutamente determinado a enfrentá-lo com todas as forças que tenho. Abracei o frio da neve que me rodeava, no chão, no topo das árvores, no tejadilho do carro. 
Desapareci por segundos, não mais que um minuto ou dois. O suficiente para ser um só com o nevoeiro e a noite que caíam ao mesmo ritmo.
Um clarão despertou-me da letargia, e outro logo a seguir fez-me olhar para trás. Os faróis do carro trouxeram-me de volta à realidade.
Conduzimos durante horas a fio, com o destino muito claro no nosso pensamento.

[foto de Vasco Moody]