
este mundo anda de pernas para o ar.
de repente, deixa-nos sem casa, sem roupa, sem cama, sem esperança.
faz-nos sentir pendurados de cabeça para baixo, presos por algo intangível e frágil. e, obviamente, de cabeça para baixo deixamos cair muito mais ideias e pensamos menos bem.
e se às vezes conseguimos chegar aos pés e soltar o fio que nos prende, caímos em solo incerto, ou em areias movediças, ou em carvão incandescente. parece sempre preferível a estabilidade da fragilidade do fio à incerteza do que encontraremos se soltos dele.
este mundo, repito, anda de pernas para o ar.
as estações do ano andam todas muito confusas. este cantinho à beira-mar plantado, sempre muito ameno, mas sempre com as estações do ano bem definidas, tem agora dias de verão em pleno inverno, tem dias de temporal no meio do verão, a primavera e o outono deixaram de ter aquele meio-termo característico da passagem do frio para o calor e vice-versa.
este mundo, reitero, anda de pernas para o ar.
lembro-me como se fosse hoje: em pequeno, as notícias que davam na televisão não eram todas negativas. havia sempre algo que nos fazia sorrir, viajar, imaginar, deambular. havia sempre algo que nos aquecia o coração ou que nos fazia ter vontade de estar em algum sítio especial, algum tesouro perdido neste vasto planeta. mas isso era dantes. agora tudo o que vemos na televisão são desgraças, a maior parte delas completamente irrelevantes para o comum mortal/espectador. o sensacionalismo vende como nunca. as notícias são exploradas até ao limite, ou mesmo ultrapassando-o. quanto mais sangue e morbidez tiver uma notícia, mais tempo de antena tem.
ou isso ou o maldito futebol. chega a ter honras de notícia de abertura, e muito mais frequentemente do que o razoável. realmente não gosto de futebol, mas o meu gosto pessoal não vem ao caso. não consigo entender que pertinência tem um resultado de um jogo qualquer, muito menos que seja a primeira notícia a ser difundida e a chegar ao lar de milhões de espectadores. e não adianta mudar de canal, porque todos fazem o mesmo.
este mundo anda de pernas para o ar, já tinha dito?
deixou de haver respeito e entreajuda pelo próximo. neste momento, as pessoas só querem saber do próximo se for para assumir uma atitude de superioridade para com esse próximo. 'eu sou melhor do que tu, visto-me melhor do tu, tenho um carro e um computador e um telemóvel e uma casa melhores do que os teus, e só descanso quando estiveres na lama e eu te passar o meu sapato por cima'. todos têm algo a dizer sobre a vida do próximo, sobre o modo de ser, de estar, de pensar, de sentir, de amar. até a liberdade de escolha do próximo é colocada em causa, porque o próximo não é livre de escolher quem ama, com quem se relaciona, quem são os seus amigos. ou pelo menos todos tentam controlar estas suas escolhas.
este mundo, concluo, anda de pernas para o ar...