terça-feira, 25 de março de 2008

13. a luz e a sombra






















a sala estava escura e fria.

havia apenas duas fontes de luz, bastante diferentes, mas igualmente ténues: o luar que entrava pela janela e que projectava o caixilho da janela na parede; um brilho misterioso que emanava de algo que estava suspenso no tecto, bem alto.

um brilho que nos faz ficar hipnotizados. que nos faz imaginar lugares longínquos, estórias de encantar, tempos idos, mundos ainda por descobrir.

imagens como esta fazem-nos viajar sem sair do lugar. permite-nos sair de nós e, neologismo pessoano, outrar-nos. dá-nos vontade de entrar naquela estrutura, passar para o lado de dentro, banhar-nos na luz que vemos de longe.

podemos ver esta estrutura iluminada como um 'portal' de luz para outra dimensão ou uma 'cela' para algo que detém em si uma luz capaz de aquecer os olhos e o coração dos que a vêem.

a luz do luar não aguenta a passagem para segundo plano e esmorece...

sexta-feira, 7 de março de 2008

12. redundâncias redondas

























o que mais me agrada no ser humano em geral é o que menos me agrada no ser humano em particular - a sua capacidade de ser redondo. e não me refiro às adiposidades que a ou b possam ter. falo da redonda capacidade de um ser humano se (re)fazer a cada passo que dá. o que hoje para mim é verde azeitona amanhã pode ser cinzento rato. é a isto que se chama uma personalidade redonda. redonda em oposição a plana. claro que esta característica torna o ser humano muito interessante, por ser cada dia diferente, mas também o torna muito mais dificil de se viver com. um cão é um cão todos os dias da sua vida de cão. uma pessoa, no mesmo dia, e, dependendo das pessoas, na mesma hora do dia, pode ser muitas diferentes. pode ser o homem que acorda de manhã e dá os bons dias com a cara com que dormiu, arrancada da almofada que grita de saudade da cara que se desprendeu dela para começar mais um dia. ou o mesmo homem que, banho tomado e barba feita, toma um pequeno-almoço rápido e mecanicamente deglutido, sem se aperceber que para que aquele pequeno-almoço surja, alguém teve de prepará-lo. ou o mesmo homem que, chegado ao escritório, enceta uma jornada de trabalho como tantas outras, em que tem de vestir a pele do cordeiro e do lobo dezenas de vezes por dia, nunca chegando a ser nem o cordeiro nem o lobo. ou ainda o mesmo homem, ou uma sombra deste, que, depois do expediente, chega a casa tão cansado que dispara contra tudo e contra todos a sua frustração pelo dia de trabalho não ter sido propriamente um 'dia de sonho' nem o trabalho ser propriamente um 'trabalho utópico'.


e o mesmo homem, no dia seguinte, vai ter um dia mais ou menos semelhante a este. e no seguinte. e no seguinte. até ao dia em que o piloto salta, a pressão faz estourar a epiderme e solta-se o revoltado, o enfurecido, o louco. e nunca se percebe porquê...


neste planeta redondo, o Homem, como ser dominante que é, é igualmente redondo, com ideias redondas, casas redondas, redomas redondas, escudos redondos, pensamentos redondos.


felizmente que alguns têm escotilhas...